Por Juliana Gomes Miranda e Maria Victoria Hernandez Lerner
Este artigo, produzido como parte do plano de trabalho e estratégia do Processo de Articulação e Diálogo Internacional – PAD, tem como objetivo explicar o processo de efetividade do direito à consulta e consentimento nos termos da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a partir da formulação de protocolos comunitários e autônomos de povos indígenas e povos e comunidades tradicionais no Brasil, seus contextos de lutas e disputas nos territórios e no plano institucional.
Em 2018, o PAD publicou artigo intitulado “Situação atual no Brasil em relação à regulamentação dos processos consultivos da Convenção nº 169 da OIT”, que retratava o estado da arte sobre a implementação da Convenção, apontando os desafios de contexto que se avizinhavam. A publicação atual, além de beber muito dessa produção, ao lançar luz para um contexto institucional e político bastante diferente daquele, reúne informações que também retratarão as tentativas de regulamentação dos procedimentos de consulta do governo federal e de governos estaduais, como as experiências do Pará, Maranhão, Paraná e Minas Gerais. Essas tentativas foram equivocadas, pois de alguma forma falharam em preceitos básicos de um processo de construção e tomada de decisão com povos indígenas, povos e comunidades tradicionais.
Se de um lado o contexto institucional e político brasileiro, sobretudo no plano federal, ameaça violentamente os direitos humanos e territoriais de povos e comunidades, com precarização do serviço público e desmantelamento de políticas públicas voltadas para esses grupos e para áreas protegidas, de outro, tem-se uma rede ativa e em plena articulação entre os sujeitos de direito da Convenção nº 169, organizações e entidades da sociedade civil, do meio acadêmico e de entidades da cooperação internacional. Esses atores têm demonstrado ao Estado e à comunidade internacional como foi acertada a decisão de promover debates informativos sobre os direitos dispostos na Convenção, em especial sobre o direito à consulta e ao consentimento.
Tal investimento vai além de qualificar e compreender a riqueza processual do direito de decidir, promovendo também a concretização e efetividade desse direito. Apesar de algumas experiências precursoras em processos similares, como foi o caso das quebradeiras de coco babaçu (em 2012) e das raizeiras do cerrado (2014), o processo coletivo do povo Indígena Wajãpi é pioneiro na construção e publicação do “Protocolo Autônomo de Consulta e Consentimento Wajãpi”. Entendendo sua importância para a inauguração de um novo paradigma em jusdiversidade no Brasil, trabalhamos o caso com o ânimo de retratar suas motivações, sua construção e seu momento atual de implementação. Em paralelo, miramos também para os Protocolos Comunitários de Consulta da Serra do Espinhaço (MG), experiência que, ao interagir com as comunidades de Apanhadoras e Apanhadores de Flor e Quilombolas, resulta em processos particulares de produção de protocolos. Essas singularidades se encontram num ponto comum, a panha de flor.
Mesmo que grande parte desses processos insurgentes de efetivação do direito à consulta, que são os protocolos comunitários, ocorra cercada por contextos ameaçadores, de intervenções em seus territórios, sobretudo pela sanha exploratória, baseada na indiscriminada extração de recursos naturais, os protocolos são instrumentos normativos capazes também de exprimir outros olhares para o desenvolvimento, baseados no direito da natureza, no pluralismo jurídico comunitário e no bem viver, conceituado por Acosta (2016) como “um processo proveniente da matriz comunitária de povos que vivem em harmonia com a natureza”. Evidentemente, há desafios que persistem, a começar no campo institucional e político atual. Especificamente quanto aos protocolos comunitários, há ainda um campo a se conquistar e desafios a superar: o reconhecimento jurídico desses instrumentos, os papéis dos atores envolvidos, as matérias que obrigam à consulta, como medidas legislativas, a dimensão federativa normatizadora e a legitimação dos protocolos enquanto expressão de autodeterminação dos povos sujeitos de direitos.
Que este texto possa auxiliar em processos de incidência no Brasil, junto a organizações da sociedade civil e sujeitos de direito, bem como no sistema de justiça e poderes executivos e legislativos, sem perder de vista a estratégica dimensão internacional para o tema.